Nord Stream: a nova janela energética para a Europa 2

 

De acordo com os relatórios oficiais, na primeira metade deste ano, o consórcio russo Gazprom teve excelentes resultados nas exportações. Os fornecimentos para países fora da Comunidade de Estados Independentes aumentaram em 11 mil milhões de metros cúbicos.

E, embora ainda não se tenha atingido o nível recorde da primeira metade de 2008, é possível vir novamente a alcançar tais indicadores se os contratos de compra se mantiverem a este ritmo até ao Inverno. Os preços do gás estão aumentando desde o início do ano e, de acordo com o presidente da Gazprom, Alexei Miller, no quarto trimestre, deverão atingir perto de 500 dólares por mil metros cúbicos.

Conforme a imprensa tem referido, se a Gazprom conseguir manter a dinâmica positiva de exportação e o preço de 500 dólares, então poder-se-á dizer que a crise nas exportações de gás russo para a Europa foi ultrapassada.

A situação é comentada por Vladimir Revenkov, diretor do departamento de mercados de gás no Instituto de Energia e Finanças.

Eu não diria que houve crise concretamente nos fornecimentos de gás à Europa. Como sabe, tivemos uma crise económica mundial em 2008-2010, anos em que os ritmos de crescimento económico caíram. A procura de recursos energéticos em geral reduziu-se, quer no mundo, quer na Europa, em particular. Tal verificou-se igualmente no gás natural. No período entre 2008 e 2009, o consumo de gás na Europa baixou em 6%. Desta forma, como se pode imaginar, a nossa Gazprom e as nossas linhas de exportação, orientadas para os países ocidentais, foram obrigadas a reduzir as exportações, uma vez que a procura baixou. Neste contexto, há ainda que sublinhar que os principais factores que determinam o preço do gás nos mercados livres, com comércio em bolsa e fora da bolsa, caíram drasticamente. Em comparação com os preços baseados em contratos de longa duração, há uma diferença significativa.

É este aspeto que tem levado ao surgimento de tensão e contradições entre a Gazprom e os principais países importadores na Europa. O problema atualmente mantem-se, uma vez que a disparidade entre os dois preços atinge mais de cem dólares por mil metros cúbicos. Em comparação com o início do ano, esta diferença reduziu-se um pouco. No entanto, gostaria de sublinhar que os mercados de gás e os mercados energéticos em geral são algo bastante volátil. Por exemplo, no fim de 2010, estávamos a sair da crise e a procura de gás aumentava. Face ao aumento sazonal da procura no Inverno, os preços nos chamados mercados spot aumentaram e a diferença entre os dois sistemas de preços reduziu-se. Nestes meses, a crise nas relações entre os fornecedores/exportadores e os clientes/importadores abrandou um pouco.

Mas agora, no primeiro semestre de 2011, temos uma situação em que, não obstante a recuperação da procura geral de recursos energéticos, verificámos uma tendência contrária na Europa este Verão – a redução da procura. A oferta manteve-se a nível dos fornecimentos estáveis, orientados para os nossos sistemas estatais nesta zona. Por isso, em abril, maio e junho, voltámos a observar uma tendência de divergência entre os dois sistemas de preços nos fornecimentos de gás para esta região.

Trata-se, principalmente, dos contratos a longo prazo, baseados nos preços do petróleo e derivados. Nesta fórmula, o preço do gás corresponde, em igual equivalente energético, a 70% do preço do petróleo, refere Vladimir Revenkov.

Em comparação, gostaria de frisar que a situação de excesso de oferta de gás em relação à procura verifica-se de forma mais expressiva na América do Norte, nos EUA, devido à chamadarevolução do xisto.

Trata-se do desenvolvimento de novas tecnologias de extração de gás natural, embora em condições geológicas mais difíceis. Na América, onde estão a ser introduzidas estas novas tecnologias(hidro-fracturação, perfuração horizontal, que permitem explorar novas camadas) tal levou à entrada de mais quantidade de gás no mercado e fez com que o preço começasse a baixar, nomeadamente em relação ao petróleo. Se, em 2000 na América tínhamos uma situação em que o preço do gás correspondia a 70-65% do preço do petróleo, agora corresponde a menos de 30%.

O desequilíbrio entre os fornecimentos de gás, a oferta e a procura nos mercados livres leva a estes processos de formação de preços.

No que se refere ao preço previsto de 500 dólares por mil metros cúbicos, de acordo com Vladimir Revenkov, o nível de preços actual do gás russo fornecido à Europa com base em contratos de longa duração ronda os 430 dólares.

Como chegamos a este preço? Ele é obtido a partir do preço-base indicado no contrato, indexado a um intervalo de nove meses à média dos preços dos derivados do petróleo – mazute e óleo diesel. Nos diversos países, conforme os contratos, há especificidades e os valores concretos são segredo comercial. No entanto, esta ligação entre o preço do gás e do petróleo, que se mantém nos contratos a longo prazo, é uma garantia da previsibilidade dos preços. Desta forma, podemos prever o preço do gás, por exemplo, deste ano, tendo em conta as situações de crise que temos observado como seja a instabilidade política nos países do Oriente Médio e do Norte de África, os cataclismos naturais no Japão, a explosão de Fukushima. Tudo isto levou a que o preço do petróleo nos mercados mundiais tivesse aumentado drasticamente e que a marca Brent se tivesse mantido acima de 100 dólares ao longo de toda a primeira metade deste ano. O Brent é uma das principais marcas de petróleo pela qual nos orientamos. Por isso, podemos dizer que, no fim do ano, o preço do gás russo nos contratos a longo prazo irá rondar os 430-450 dólares, se não acontecer qualquer alteração radical dos preços no mercado petrolífero mundial.

Se não houver nenhuma queda brusca, o que, aliás, agora todos os investidores têm em conta na sua actividade no mercado de valores, inclusivamente da Gazprom. Podemos observar que o índice de investimento no mercado de ações da Gazprom caiu significativament devido ao facto de os investidores esperarem uma correção dos preços do petróleo para os níveis antes da crise – digamos de novembro, dezembro do ano passado.

Por isso, o valor de 500 dólares deverá andar próximo da verdade, repito, se não houver correções, se os preços do petróleo não baixarem. Caso isso aconteça, então não teremos o valor de 500 dólares nos contratos.

Convém ter em conta que, na passada primavera e este verão, foram muito comentados os boatos sobre conflitos e tensões entre a Gazprom e os seus tradicionais parceiros alemães no setor do gás. Vladimir Revenkov confirma que, de fato, tais tensões existiram.

Acontece que, como já dissemos, nas praças comerciais – na Alemanha há duas praças em que se transaciona gás a preços equilibrados – o preço constitui 330 dólares por mil metros cúbicos mas, pelos contratos, a mesma E.ON Ruhrgas compra-nos o gás atualmente a 430 dólares. É essa diferença de 100 dólares que pode eventualmente dar a ideia a estas companhias de a quererem ir buscar.

Mas acontece que esta companhia não pode ir ao mercado spot, ela não obterá gás a baixo preço nas quantidades necessárias. É esta a questão. Por isso, de fato, o conflito existe. A diferença entre os dois sistemas obriga a Gazprom a fazer concessões e ela já as tem feito, introduzindo nas fórmulas de formação do preço elementos de liberalização, que permitiram aos importadores comprar parte - até 15% - do gás fornecido pelos contratos de longa duração ao preço praticado na bolsa, ou seja, inferior em 100 dólares. Mas a situação continua a mudar.

Tal como refere Vladimir Revenkov, do Instituto de Energia e Finanças de Moscou, as contradições entre os vendedores e os compradores de gás estão em constante mudança. A Gazprom, sendo um parceiro tradicional das companhias energéticas europeias, pode, por exemplo, tomar parte em pé de igualdade nos leilões de gás de maneira a reservar capacidades e nivelar os picos de consumo sazonais.